Finalmente, saímos do subsolo do futebol brasileiro. A segunda-feira (2) significou mais do que um recomeço de mais uma semana para o torcedor do Santa Cruz. Reencontramos a dignidade futebolística, levantamos a cabeça, inflamos o peito em profunda respiração e abrandamos a alma com a sensação de alívio. Ao cruzar o portão de casa indo ao trabalho, o tricolor contou a si mesmo, em confissão, com o olhar voltado ao horizonte: finalmente! Até o cachorro latia felicidade, com o rabo abanando a faixa de campeão ainda exalando cachaça.
Ainda no domingo, com os portões do Arruda expulsando a multidão em êxtase pela vitória contra o Sampaio Corrêa, havia torcedor mais do que feliz pelas ruas do Recife. Teve tricolor que secou litros e litros afogando as séries C e D no álcool, para nunca mais voltar. Teve aquele que fez amor embalado pela excitação da vitória, beijando o amante aos sussurros: “é campeão, meu bem. É campeão!”. Depois de 07 anos envergonhados em tratar de futebol, ao voltar do Arruda no domingo entramos a rua de casa trombeteando convictos o orgulho do nosso primeiro título nacional. Ninguém nos segurava.
No dia seguinte...Ah, o dia seguinte! A injusta segunda-feira, senhora do sabor de ressaca, viu todas as ruas ficarem ouriçadas em preto, vermelho e branco. O orgulho se derramou pela cidade. Era uma manifestação popular tingindo a realidade. A incontrolável liberdade de ser feliz por amor ao clube. O povo não se conteve. Era riso em cada esquina, efeito que quase altera o fluxo do Capibaribe.
As repartições públicas, os escritórios das empresas, a cada três janelas, duas hasteavam, discretamente, a flâmula tricolor. No ônibus, no táxi, nas cinquentinhas e carroças proibidas bandeirões tremulavam tal como o desejo de ser livre de seus portadores. Professores, manobristas, garçons, empregadas domésticas, vigilantes, que sonhavam acordados durante todo expediente, orgulhavam-se do clube querido do coração sob censura do patrão, acolhendo o manto tricolor por debaixo das fardas.
Nem um guarda da CTTU, aquele poço de pureza e autoridade, em plena Agamenon Magalhães, se conteve quando um Chevete, de repente, começou a buzinar nosso grito de guerra. Do lado da ordem, o agente de trânsito, em posição de sentido, desafinou seu instrumento de trabalho num sonoro TRI-TRICOLOR. TRI-TRI-TRI-TRICOLOR, acompanhando o motorista matreiro.
As piadas dos rivais, oriundas da inveja, não surtiam efeito. O time do povo assinalava mais um capítulo na história do futebol a contrapelo. Não há do que se envergonhar, não há o que omitir para os nossos filhos e netos: a Série C é o nosso título nacional. É fruto do nosso esforço, o castigo que pagamos pela ingerência, pela má-fé, pelos ditames controvertidos das autoridades maiores do futebol. Foi a maior provação de nosso amor por um esporte. Com isso, não há do que se envergonhar. Temos que nos orgulhar, nutrir essa lembrança como exemplo para as gerações futuras e aprender que com o simples fazemos obras excepcionais.
Por isso, atenção, profissionais da costura: escalem suas esquipes. Vamos bordar ao lado do escudo uma estrela para gozarmos dessa patente nacional. Conservem a memória, historiadores, que a história sofrerá mais uma edição nos próximos dias. Em momento algum essa conquista irá manchar a nossa trajetória. Não esqueçam, pobres rivais, a ordem de grandeza é diferente. Não é a série C que agrega valor e glórias ao Santa Cruz, mas o contrário. Foi o Santa Cruz que, ao vencer o time do Maranhão, o tal “Bolívia querida”, que reescreveu a importância da competição.
Hoje, não há quem negue. Disputar a Série C tem outro significado depois da nossa conquista. Agora, que venha o descanso, o repouso dos reis com a alma lavada e com o gostoso sentimento de “finalmente saímos do subsolo do futebol brasileiro”. E demos uma lição.

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