Nesta sexta-feira, o segundo tempo da mais acirrada partida do Campeonato Brasileiro de 2013 volta a dividir não somente fieis torcedores do tricolor carioca contra os Lusos da Portuguesa de Desporto, mas o país inteiro, com bandeiras de todas as cores tremulando em torno do direito, da legalidade e da moralidade. A sentença do Supremo Tribunal Desportivo poderá salvar a competição, numa reviravolta épica de um jogo em andamento, já encharcado e com as regras mudando em pleno segundo tempo. Independentemente do resultado, apenas uma equipe sairá derrotada moralmente desse julgamento: o Fluminense. Há uma explicação para isso.
A situação do time das laranjeiras é semelhante a do péssimo aluno da oitava série que foi aprovado no Conselho de Classe. Bagunceiro, indisciplinado e relaxado com os estudos durante todo o ano letivo, o garotinho esperto e simpático acumulou notas baixas, em todas as matérias, em todas as unidades, mas tem grande chance, sobretudo pelo seu carisma, de ser aprovado às escuras das reuniões pedagógicas, por pura esperança dos mestres em acreditar que ele não pode perder o ritmo de seus colegas, aprovados por méritos e bom comportamento. Há professores que lembram tempos áureos da formação no ginásio, a boa atuação na feira de ciências, a tradição de bacharéis na família, e o sentenciam a um belo futuro. Por isso, a intensa e comovente necessidade de aprová-lo. Basta só um impulso.
O STJD tem se comportado exatamente como um Conselho de Classe, desequilibrado por influências autoritárias, entortado pelo peso do dinheiro e abocanhado pela ganância dos Cartolas. É uma instituição jurídica com uma flexibilidade seletiva.
Do outro lado do Conselho de Classe está a Lusa, do Canindé. Aluna esforçada, filha de imigrantes e comerciantes tirou a média suficiente e ideal para passar de ano, dividindo-se entre a escola e o trabalho dos pais, para ajudar aumentar a renda de casa. Foi aprovada sem louvor, muito menos láurea. Mas foi aprovada. No entanto, sofreu uma advertência por descumprir um tópico besta do regulamento e, com isso, pode sofrer uma punição mais severa, diminuindo sua média anual. Segundo o jornalista Juca Kfouri, a sentença proferida contra a Portuguesa equivale a uma pena de morte para quem apenas roubou um pão. Como ainda há chance do recurso do time prejudicado reverter a decisão da primeira instância, há também a possibilidade de abrir mais uma brecha para acolher o aluno relapso Fluminense. Até amanhã, no entanto, a vantagem é dos cariocas.
A vaga da aluna Portuguesa está em debate. Sem tradição, a avaliação dos docentes é que ela precisa aprofundar mais seus estudos. Na linguagem do futebol, a Portuguesa, por natureza, é segunda divisão, enquanto o tricolor carioca não pode sentir o cheiro da Série B, uma espécie de senzala do esporte-paixão-nacional. Na linguagem desigual da escola, existem alunos automaticamente bons e outros, por natureza, ruins.
Vamos ao boletim. Nas 38 rodadas, o Fluminense acumulou 44 pontos, distribuídos em 12 vitórias, 10 empates e 16 derrotas. Um rendimento de 40%, 20 a menos do que o Cruzeiro, aluno mais bem avaliado da turma da Série A. A Lusa, considerada vítima na situação, foi obrigada a perder 4 pontos por não cumprir uma determinação da coordenação do Campeonato. Com isso, na mesma quantidade de rodadas, somou 44 pontos – incluindo a subtração punitiva aos seus oficiais 48 pontos – oriundos de 12 vitórias, 12 empates e 14 derrotas, duas a menos do que o time de Nelson Rodrigues e Chico Buarque. Pela frieza dos números, um desempenho melhor do que o do Fluminense. Dados que revelam conquistas suadas em campo, sem má-fé.
O descumprimento da Portuguesa em nada interferiu no andar da competição. Foi aquela ação inocente. A descoberta da falha foi feita por alguém que atua em nome do aluno relapso Fluminense, que apesar de em alguns momentos desenvolver bons resultados, tem um histórico de mau desempenho nas provas e na competição, sobretudo por práticas espúrias. O time do pó-de-arroz continua a sua odisseia para permanecer na primeira divisão com a mesma sede com que aristocratas prezam pela questão sanguínea como critério de justificativa para a distinção social.
Cabe aos responsáveis por essas criaturas pulso firme, os “pais” – a principio, sensatos – interpelarem pela justiça dos gramados e da bola correndo. O problema é que o Conselho de Classe carrega como princípio o regulamento da Casa-Grande. Caso se confirme os palpites para o segundo tempo dessa partida fora das quatro linhas, e o Fluminense passe de ano, será o típico caso do aluno que não merece o diploma, que compra suas conquistas, que adultera resultados e cola do colega ao lado, mas goza dos privilégios de um aprovado “em campo”, com a bola rolando. Pior: abre um precedente para que os reprovados de outras turmas também se sintam no direito de disputar a divisão que quiser no grito.
O Fluminense será um aluno que, apesar de convicto do lugar que ocupa, se envergonhará – para sempre – dos métodos pelos quais adquiriu a aprovação. E os professores e pedagogos, acanhados pela pressão “paterna” dos tricolores, que se submetem ao desejo de quem manda, buscarão refúgio na injusta máxima popular: “obedece quem tem juízo”.

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