quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Mujica way of life no futebol e na vida.





Ele tem seus bem vividos 78 anos, baixa estatura, usa barbas e é dono de um discreto desapego às coisas materiais. Conduz um Fusca de meio século e dedica parte de seu tempo à agricultura. Foi guerrilheiro pertencente ao grupo Tupamaros no final dos anos 1960 e preso pela ditadura uruguaia. Após a redemocratização nos anos 1980, ajudou a fundar a coalização de centro-esquerda chamada Frente Ampla. Em 2010, tornou-se presidente da República e colocou o país que governa no mapa dos grandes debates internacionais, após ações que reacenderam a esperança da esquerda e da utopia humanista na América Latina. Abriu uma discussão sincera sobre o casamento homossexual, a descriminalização do aborto e a legalização da maconha. Estou falando de José “Pepe” Mujica, presidente do Uruguai, o responsável por uma gestão serena, cuidadosa com o povo, democrata e ousada. O homem é o exemplo que o Brasil precisa na vida, no futebol, na política e na cidadania. 

Confesso ao leitor que não hesitaria, em protestos como os de Junho de 2013, entoar em frente a CBF, com cartaz e megafone, o redentor coro da massa futebolística insatisfeita: “Mujica para presidente da CBF”. Se não o próprio, em virtude do atual cargo que ocupa e da distância de sua chácara em Montevideo até o Rio de Janeiro, que pelos menos servisse de exemplo e fizesse surgir entro nós um perfil tal e qual a sua performance na mais nova ilha utópica da América do Sul. Que inspirasse, mesmo de longe, um amante autentico do futebol aqui no Brasil com as mesmas manias de amar o próximo, compreender diferentes visões de mundo e de ter um profundo desapego ao poder. Já pensou um cara desses na Confederação Brasileira de Futebol? O que ele faria? 
Caso o uruguaio topasse a missão, imaginei uma lista a respeito das primeiras medidas que ele tomaria ao assumir o cargo oferecido. A primeira ação – desconfio – seria trocar a gravata e o paletó por um uniforme retrô da seleção brasileira de 1958 ou de 1982. A segunda medida seria elaborar uma pelada entre os chegados da CBF e baseada naquele esquema democrático, comum em toda praça pública do Brasil, no qual os que chegam com a partida em andamento pedem a preferência de montar o time na partida seguinte, orientada pela regra máxima dos 10 minutos ou dois gols. O exercício da regra é posto em prática através do sonoro “a próxima é o meu!”. Cuidadas as prioridades, rumo ao serviço. 

Em termos de reparação diplomática, construiria um Memorial da Copa de 50 ao redor do Maracanã em que a derrota na final ficaria em segundo plano. Haveria uma exposição permanente com depoimento dos jogadores revelando o lado deles na competição, uma versão acompanhada de imagens com os dribles, lances e jogadas mitológicas. Um setor apresentaria aos visitantes o áudio dos gols das partidas vencidas com folga durante a primeira fase, como a emocionante goleada de 6 x 1 aplicada na Espanha. Na narrativa dessa exposição os craques Barbosa, Bigode e Friaça sairiam como heróis que tombaram na última batalha, mas que brilharam durante toda a guerra, doando suas vidas e conquistando um título internacional ainda inédito para o Brasil: o de vice-campeão mundial, uma patente invejável em outros ares. O curador da exposição seria o jornalista Geneton Moraes Neto, autor do comovente Dossiê 50. Sem o deslize em casa, não teríamos a sede de revanche – um pouco tardia, é verdade – em 1958. 

Na gestão de Mujica, haveria privilégio para todos os torcedores, todos os clubes - vertebrados e invertebrados – para todos os jogadores e uma dedicação total à paixão nas arquibancadas, excluindo qualquer paquerada do espirito antiesportivo. A CBF funcionaria respeitando a maior paixão brasileira, sem outras intenções fora das quatro linhas da ética. As arquibancadas seriam mais equânimes, com espaço para todo mundo e esvaziadas de tabu e preconceitos. Haveria mais confraternizações, poesias, um chopp nos degraus dos estádios. Qualquer tentativa de mudar o roteiro, com influência de Cartolas, dinheiro de televisão, subornos de empresários, interferência das marcas de material esportivo, seria descartada pelo sereno comportamento de José “Pepe”. 

Os jogadores também seriam ouvidos em Conselhos formados na entidade, em que representantes dos atletas apontariam as ações que garantiriam o retorno do Bom Senso ao trabalho dessa categoria. Através desses conselhos nasceriam craques mais equilibrados, sem apelos midiáticos, mais serenos, tal como o mestre Mujica demonstra em suas ações. Teríamos palcos mais democráticos e espetáculos mais sinceros. As decisões dos campeonatos seriam definidas pelo esforço dos atletas e pelo resultado das partidas dentro de campo. Não haveria chance de tapetão e o ídolo da torcida vestiria camisa 10, meiões e chuteiras, e não um paletó e uma gravata. 

Parece um sonho, mas é possível. O país do futebol clama não só por Mujica na presidência da CBF, mas pela “ideia” Mujica, no sentido platônico mesmo, para o nosso futebol. Nas ruas, ainda não percebemos, o que se pede nas entrelinhas é por mais “Mujica way of life” na realidade brasileira. Mujica para presidente da CBF, mas também para torcedor, presidente da república, funcionário da empresa, jornalista, operários, jogador de futebol e vizinho. Devemos escalar um Mujica em todas as posições, instituições e lugares. E, quem sabe, se sobrar um brechinha depois do serviço prestado a CBF, ele não chega até a FIFA e a padroniza com mais igualdade. 


Se acha difícil esse “amor à camisa” surgir de repente entre os “cordiais” brasileiros, não tropece nas pernas do pessimismo. Toda tradição pode ser construída. Podemos ensinar aos Mujicas o mesmo caminho que o futebol tomou no Brasil. Há aproximadamente cem anos, ele chegou de forma tímida, praticado por operários estrangeiros e, com o tempo, tornou-se uma paixão. Depois de se transformar em uma febre nacional, tornou-se um hábito que, sem ele, não há domingos, muito menos uma nação. É um esporte que traduz um país. Por isso, devemos torcer com muito afinco e paixão para que a ideia Mujica seja tão imprescindível para o Brasil quanto é o futebol e que sejamos sinônimos também da mesma habilidade com a qual o uruguaio triunfa pelo mundo: a democracia.

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